
Bitcoin é isto, bitcoin não é aquilo, então mas o bitcoin é mesmo o quê mesmo?
Resumindo, normalmente quando se refere ao bitcoin são comuns as seguintes criticas:
- volatilidade;
- hacks a exchages;
- as “maravilhosas” plataformas de investimento (a.k.a., pirâmides);
- associação a atividades ilícitas (lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, trafico de drogas, fuga ao fisco).
Vamos então primeiramente destrinça-las uma-a-uma:
1. Porque é volátil?
Corresponde a não existir flutuação considerável do preço durante um período considerável. Estamos perante uma dupla correspondência de critérios subjetivos.
A Comissão Europeia define estabilidade de preços da seguinte forma:
“Price stability is defined as a year-on-year increase in the Harmonised Index of Consumer Prices (HICP) for the euro area of below 2%.”
Assim sendo o Bitcoin não é nada estável, sobretudo nos últimos anos:
Na minha opinião, a questão da estabilidade de preço será resolvida através dos seguintes seis (6) pontos:
i. a existência de uma economia real subjacente. No caso dos criptoativos, a esmagadora maioria das transações não estão relacionadas com a transação de bens e serviços. Isto faz com que o preço do próprio criptoativo, seja em si mesmo, um driver da sua própria procura, potenciando crises de liquidez;
ii. produto nicho – ainda é utilizado por uma porção muito pequena da população, estimam-se 32 milhões de endereços de bitcoin que correspondem a cerca de 0,3% da população (e estamos a assumir que uma pessoa tenha apenas um endereço, quando na realidade nunca é assim). Quando temos poucos detentores de criptoativos (“HODLers”) temos também uma maior susceptibilidade à instabilidade de preço.
Desta forma, observando o modelo do Ciclo da Difusão da Inovação [Imagem abaixo], encontramo-nos ainda a meio da fase dos inovadores (Innovators). Talvez o grande bull market do final de 2017 tenha ajudado a criar a expectativa errada que o Bitcoin seria adoptado em massa rapidamente, o que ainda não se veio a verificar;
iii. difícil de entender, usar e implica riscos adicionais – não é imediato de entender implica compreender alguns temas pouco comuns como criptografia, economia e programação e isto reduz o número de utilizadores e consequentemente aumenta a suscetibilidade à volatilidade. Eu tenho o meu próprio exemplo que não acreditei no projeto na primeira vez em que li o whitepaper. Para além de ter de conhecer conceitos básicos de como funciona a criptografia assíncrona, merkle trees, protocolo de consenso, mineração e timestamp, ainda ter de entender os conceitos económicos subjacentes e de como no final todas as peças se conjugam criando uma rede funcional, resiliente e contínua, gerando novos blocos a cada 10 minutos deste 2009 com um downtime de 99,9%.
Apenas depois de entender como funciona é que podemos partir para compreender como se usa e (mais importante) os os riscos associados. Uma transação feita para um endereço errado é game over! Esqueçam, não vale a pena falar com o gerente do banco porque não existe gerente de banco nenhum. Bitcoin é a promessa de liberdade mas mais liberdade implica sempre uma maior responsabilização.
iv. mercado de acesso difícil – Quem já tentou comprar cripoativos sabe do que estou a falar, exchanges que bloqueiam os acessos, KYCs morosos, bancos que bloqueiam contas, hackers que roubam as passwords. Comprar continua a ser um ato quase com contornos de ilegalidade dissimulada. Até porque “eles” só nos dificultam a vida apenas para o nosso bem claro 🙂
v. base monetária baixa – mesmo tendo como base setembro de 2018, Bitcoin ainda está muito longe da nossa base monetária (M1, M2 e M3). Para além disso, Bitcoin tem a emissão restrita, ou seja, o protocolo está limitado às 21 milhões de moedas, coisas que já não acontece com a moeda fiduciária (conhecidas como “Fiat Currency“). Como podem confirmar na imagem abaixo, um player com grande capacidade financeira pode afetar em muito o seu preço, coisa que dificilmente acontecerá com a moeda fiduciária;
vi. investir em StableCoins – os criptoativos estáveis existem e até algumas podemos dizer que com um relativo sucesso, no entanto estas são ainda um nicho dentro do nicho das criptomoedas, ao ponto de não serem se quer referência quando se fala sobre criptoativos. No cabaz dos criptoativos o Bitcoin é rei com mais de 50% de quota de mercado e isso também afeta na percepção sobre a própria categoria de produto.
2. hacks a Exchanges
“Era uma vez um site chamado de Mt. Gox que de repente deixou de o ser, juntamente com as contas dos seus utilizadores.”
É das imagens mais recorrentes nas noticias sobre criptoativos, a noticia da Exchange X que perdeu todos os seus ativos por um hack. O caso mais famoso foi o Mt. Gox que chegou a ter 70% do total das Bitcoins em circulação e que em 2014 assume uma perda de cerca de 850.000 Bitcoins e declara falência.
O que muitas vezes essas notícias “esquecem-se” de referir é que estes assaltos em nada têm a ver com o Bitcoin ou a segurança do Blockchain, são falhas de segurança, normalmente até de formas muito pouco “hollywoodescas“, à base de engenharia social e da falta de noções básicas de segurança de quem gere as plataformas.
Como disse anteriormente, Bitcoin é liberdade e liberdade implica também uma maior responsabilidade. Na área financeira tradicional os indivíduos e entidades financeiras também vão à falência e os depositantes perdem dinheiro (mesmo com entidades reguladores e fundos de emergência). No mundo dos criptoativos existe uma expressão muito recorrente que deve ser tomada como máxima de segurança: “Not your (private) keys not your coins”, quer isto dizer que a partir do momento em que os utilizadores optam por deixar os seus ativos à guarda de uma entidade terceira estão a assumir que a propriedade destes ativos deixam de ser deles.
Soluções: Guardar em wallets (papel ou físicas) ou até guardar em online/mobile wallets (menos seguras) por uma questão de comodidade, com pequenas quantias mas sempre em app que permitam consultar a private key (chave que define a propriedade do ativo).
3. as “maravilhosas” pirâmides;
É um mundo maravilhoso para os antigos vendedores de colchões, agora requalificados. Desde criptoativos como o Bitconnect (na imagem), que antes de implodir chegou a estar no Top 10 na lista de criptoativos com maior capitalização global, até às Eagle Bit Trade, FX Trading, Options Knight, o rol é interminável. A grande maioria destes projectos não irá gastar dinheiro se quer em criar um blockchain ou um token, são apenas projetos de marketing focados única e exclusivamente em criar uma ponzi ou pirâmide financeira. Todas caem ao fim de algum tempo, levando consigo 80% dos investidores e a credibilidade de quem investiu e não distingue estes esquemas de criptoativos.
4. associação a atividades ilícitas (lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, trafico de drogas, fuga ao fisco).
Que mais posso dizer? As principais moedas a serem utilizadas para este tipo de atividades, de muito longe, são o USD e o EUR. Estas têm muito maior aceitação, existe um mercado de lavagem de dinheiro muito desenvolvido e (ironicamente) até são mais fáceis de fazer “desaparecer” do que os criptoativos. Não existe um blockchain em que todas as transações ficam registadas, no caso do Bitcoin não existe uma anonimidade perfeita, além de que, o que hoje é anónimo amanhã já pode não ser. As transações estão registadas à vista de todos, um dia, um movimento em falso e a identidade do detentor do endereço é revelado e todo o circuito financeiro fica à vista de todos. Para quê correr esse risco? Nada impede os indivíduos em usar criptoativos nas atividades ilícitas, mas também existe todo um conjunto de condicionantes que não necessariamente penderão em torno da sua utilização.
O que é o Bitcoin?
Sim, o Bitcoin é uma moeda.
As moedas definem-se em termos de funções e características. Veremos então as funções e características das moedas, com um exemplo comparativo muito interessante do Jornal de Negócios:
Funções de moeda:
EURO | VACA | BITCOIN | |
---|---|---|---|
Reserva de Valor | Uma nota de euros guarda valor. É prejudicado pela inflação. | Uma vaca guarda valor, mas é ameaçado pela vida do animal. | O Bitcoin também guarda valor, mas é muito volátil. |
Unidade de conta | Uma nota de euros é uma unidade de conta muito fiável. | As vacas podem ter várias formas e feitios. Não serve. | A volatilidade do valor do Bitcoin limita o seu papel. |
Meio de Troca | Uma nota de euros é geralmente aceite em pagamentos. | Pagar com vacas pode ser difícil, apesar do valor intrínseco. | A aceitação do Bitcoin é ainda muito limitada na economia. |
Portanto, no que respeita à função, tal como o Euro, o Bitcoin constitui uma Reserva de Valor, uma Unidade de Conta e um Meio de Troca.
Mais, se o Bitcoin preenche todas as funções de moeda e até mais algumas que as moedas tradicionais não cumprem, então o Bitcoin é na verdade uma versão superior de ativo ou uma forma de moeda 2.0.
Não esqueçam que a definição de moeda é uma convenção, se o Bitcoin acrescenta mais então proponho alterarmos a própria definição de moeda!
Revertendo as coisas, se considerarmos que uma definição superior de moeda deva incluir um Sistema de Pagamentos então, o Euro representa uma definição incompleta de Moeda, uma versão mais frágil na medida em o seu design torna-a centralizada, ilimitada e susceptível ao gasto duplo (falsificação).
Exemplo Prático:
- PayPal: É um Sistema de pagamentos mas não é uma Moeda (usa o Euro);
- Euro: É uma Moeda mas não é um Sistema de Pagamentos (pode ser real ou virtual);
- Bitcoin: É uma moeda e um Sistema de Pagamentos.
Características de moeda:
EURO | VACA | BITCOIN | |
---|---|---|---|
Durabilidade | Muito durável e pode ser facilmente substituída. | Relativamente durável, mas tem risco de doença e mazelas. | Pode ter duração infinita, caso se confie na inviolabilidade. |
Portabilidade | Fácil de transportar na carteira. | Bastante difícil de transportar enquanto moeda. | Muito fácil de transportar e transferir. |
Divisibilidade | É fácil trocar uma nota em moedas até chegar a cêntimos. | É possível, mas difícil dividir uma vaca. | Um Bitcoin pode ser dividido até 8 casas decimais. |
Uniformidade | Uma nota de 20 euros é uma nota de 20 euros. | As vacas têm muitos tamanhos e características. | Tal como uma nota de euro, o Bitcoin é muito uniforme. |
Oferta Limitada | A oferta de euros é determinada pelo banco central. | A oferta é relativamente limitada, mas pode aumentar. | Oferta está limitada a 21 milhões. |
Aceitação | Embora sem valor intrínseco, os euros são geralmente aceites. | São aceites como moeda em algumas partes do mundo. | Não têm curso legal, pelo que têm uma aceitação limitada. |
Quanto às características de moeda, o Bitcoin também é superior:
- Aceitação: Bitcoin tem uma aceitação superior a qualquer moeda (O Euro ou o USD não é aceite em qualquer parte do mundo);
- Divisibilidade: O Bitcoin pode ser dividida até 8 casas decimais (1 Satoshi = 1/100.000.000 BTC). Enquanto com o euro ainda andamos a trocar notas por moedas;
- Oferta Limitada: Falsificação de Bitcoins é coisa que não existe, enquanto que com o Euro existem vários níveis de segurança e assume-se que exista sempre uma parte das moedas em circulação que seja falsificada;
- Existe a questão do consumo de energia para a produção de Bitcoin mas sabiam que o custo com produção, transporte e segurança das moedas físicas custam anualmente ca. 1% do nosso PIB? Isto também é um custo que pode ser convertido no seu equivalente de gasto energético (que será sempre muito superior ao do Bitcoin).
Portanto, até mesmo em questões ambientais o argumento que o Bitcoin gasta “demasiada” energia será, no mínimo incompleta, pois não tem em linha de conta o gasto para a produção da moeda fiduciária (FIAT).
E depois temos estes pequenos “fenómenos” que passam despercebidos a muitos:
Quanto isto custou? Quem pagou? Qual foi a o valor que se criou com este ajuste de stock de moeda? Ou seja, a própria moeda fiduciária não é neutra, não é neutra tanto no seu efeito na economia como no seu impacto ambiental.
Conclusão
Sim, Bitcoin é uma moeda. O único motivo para rejeitar o Bitcoin como moeda é apenas por esta não possuir as mesmas características das moedas fiduciárias. No entanto essas características foram as que tornaram o Bitcoin resiliente e confiável. A definição de moeda deve ser analisada à luz da sua funcionalidade e finalidade e não à base de critérios rígidos e herméticos que apenas servem para validar preconceitos passados.
No mundo online em que a cópia tem um custo de praticamente zero, recorrer a notas e moedas físicas, utilizar contas online centralizadas constitui cada vez mais um factor de risco.

Não sejam como o “Velho do Restelo” a moeda foi a maior invenção da humanidade, uma abstração de valor única que permitiu-nos planear o futuro e ligar todos os povos. O Bitcoin é apenas o passo seguinte, uma transição natural do mundo físico para o online, onde cada vez mais vivemos as nossas vidas.
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